SINODALIDADE, CLERICALISMO E O DESAFIO DE RENOVAÇÃO DA COMUNIDADE

Pe. Anderson Costa Pereira¹

No meu artigo anterior havia concluído afirmando que a tônica da Sinodalidade como princípio de renovação está na necessidade da mudança de estruturas, a começar pela comunidade (toda a Paróquia). Com efeito, a renovação paroquial é urgente, porém nem todos estão dispostos a realizá-la, sobretudo onde o clericalismo é pujante. Muitas vezes se esbarra em estruturas tradicionalistas já existentes. É um desafio à Sinodalidade à renovação paroquial de estruturas clericalistas centralizadas na lógica do autoritarismo.

Por definição, o clericalismo é antissinodal. A cultura do clericalismo destrói a prática sinodal, não funciona na pastoral, tampouco em outro lugar. A mentalidade clericalista é antagônica a mentalidade sinodal. Infelizmente, o clericalismo habita na Igreja Católica. Não à toa o Papa Francisco tem insistido como um dos grandes problemas morais da Igreja. A mentalidade clerical faz tudo girar em torno do ministério ordenado. O ministério ordenado, por sua vez, precisa ser entendido como “ministério de síntese” e não como “a síntese dos ministérios” (CNBB, doc. 62, n. 87). Neste sentido, o Papa Francisco afirma na Evangelii Gaudium a necessidade de se proceder uma “salutar descentralização” (EG, n. 16).

Vale destacar que, se por um lado há abusos de poder por parte de ministros ordenados que se julgam melhores do que qualquer outra pessoa do povo de Deus, porque lhes agrada a subserviência laical como estratégia autobeneficente, por outro lado, há muitos ministros ordenados que caminham com suas comunidades e a seu serviço. Estão abertos a aprender e orientam com eficácia os leigos, bem como têm a abertura necessária para conhecer a realidade e a vida da comunidade, contudo, se deparam com leigos ou movimentos eclesiais que assumem essa mentalidade clericalista, muitas vezes também porque isto lhes apraz. Infelizmente, em alguns leigos a vontade cega de obedecer é maior do que o desejo de ser livre. Além disso, alguns desses movimentos apresentam pouca ou nenhuma mentalidade sinodal, apresentando, inclusive, características de seitas gnósticas ou um vago espiritualismo.

A prova de que o clericalismo lançou fortes raízes na nossa vida eclesial é sua expressão através de uma linguagem inconsciente. Ademais, é exatamente essa a força da ideologia (o clericalismo é uma ideologia). Uma de suas expressões é por meio da linguagem inconsciente, ou seja, no uso inocente de expressões no cotidiano. Por exemplo, muitas vezes se utiliza a expressão “Os padres e todo o povo de Deus”, como se “povo de Deus” designasse o coletivo de leigos e não o conjunto de todos os batizados (ora, o padre também é povo de Deus). Apesar de que a intenção nem sempre é maliciosa ao se utilizar essa expressão (ou seja, nem sempre se pensa em atitude clericalista), mas é preciso entender que nisto é que consiste a perversidade da ideologia: ela se apodera das boas e inocentes intenções dos sujeitos. Por isso, a primeira atitude da mudança de mentalidade proposta no meu artigo anterior é uma mudança de linguagem, libertando as categorias teológicas que sofrem sob o impacto do clericalismo e o primeiro passo dessa mudança é fazer “falar os silêncios e preencher as lacunas” da ideologia clericalista.

A escritora Marilena Chauí afirma que a ideologia é feita de “silêncios e lacunas”. Na expressão “povo de Deus” como coletivo de leigos o que se está silenciando é justamente essa ideia de que o clero é de uma dignidade e os leigos de outra, firmando, assim, uma lacuna na identidade eclesial (separação entre padres e leigos). Neste sentido, para combater esse clericalismo velado, temos que fazer falar os silêncios e preencher as lacunas que a ideologia armou, corrigindo os erros “inocentes” de nossa linguagem (faço aqui uso de uma reflexão compartilhada com meu amigo prof. Carlos Brito).

Sem dúvidas, o clericalismo representa hoje o maior obstáculo à Sinodalidade. O próprio Jesus Cristo já havia advertido no Evangelho que não se põe remendo de pano novo em roupa velha (Mt 9,16-17). Novos projetos em velhas estruturas hierarquizantes e clericalistas tendem a ser arruinados, tornando os planejamentos pastorais desacreditados e sem sentido. Não adianta falar em Sinodalidade se não renovar a comunidade. É inútil falar em Sinodalidade se o princípio não é conhecido nem assumido por todos.

A renovação das estruturas pastorais e administrativas da comunidade, para torná-la mais sinodal, isto é, como espaço de comunhão, participação e missão, é tarefa urgente. Contudo, o Papa Francisco lamenta: “Temos, porém, de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das Paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando-as ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-as completamente” para a missão (EG, n. 28).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com o Documento Comunidade de Comunidades: uma nova Paróquia (2014) sonhou com esta renovação comunitária, mas infelizmente o Documento tem produzido poucos frutos, pois, para haver renovação da comunidade, precisa haver disposição e disponibilidade de participação de todos os seus membros.

O princípio da Sinodalidade obriga a abandonar estruturas cômodas, renunciar ao autoritarismo e a pretensão do domínio da verdade, ou seja, ministros ordenados sem projetos prontos, olhando para além de si mesmos e dispostos a aprender e caminhar juntos. Desse modo, “o estabelecimento duma Igreja sinodal é pressuposto indispensável para um novo impulso missionário que envolva todo o Povo de Deus” (Sínodo dos Bispos sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional, Doc. Final, n. 118).

Envolver todo o Povo de Deus significa dizer que não se faz renovação da comunidade em vista da Sinodalidade sem a conversão do coração de todos os seus membros (clero, religiosos, leigas e leigos), por isso a tônica recai sobre a comunidade como lugar de formação dos discípulos-missionários de Jesus Cristo, como afirmou o Documento de Aparecida. Antes de “converter” as estruturas, é preciso converter o coração dos fiéis, até porque pessoas têm coração, estruturas não.

Para concluir, vale considerar que os ministérios se desenvolvem e se põem no interior da comunidade e não acima dela. Todo ministério está inserido na Igreja. Os ministérios existem para a comunidade e em função dela. A Igreja é uma comunidade articulada em diferentes ministérios, serviços e carismas. Por isso, renovar a comunidade é, antes de tudo, renovar todos os ministérios.

Creiamos nisto: a Igreja fez-se sinodalidade e esta faz a Igreja!

  1. Mestrando em Teologia Dogmática na PUC em São Paulo – SP

2 Comentários

  • Muito bom o artigo.
    É urgente e necessária uma profunda renovação no campo Missionário da Igreja. Não apenas mudanças de nomenclaturas. Mas de mentalidade e ação. O Evangelho possui uma força de transformação, de entusiasmo e de encantamento. Precisamos sentir isso em nossas comunidades, pastorais e ministros. Não somente as lamentações, o pessimismo e o comodismo que prevalecem em muitos. Avante Igreja de Cristo! Barca conduzida por Pedro. Povo Santo do Senhor.

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  • Não sou contra a nada disso, porém como leigo não consigo entender o verdadeiro significado dessas nomenclaturas como sinodalidade e clericalismo, e principalmente qual o objetivo real. O que o Nosso Senhor ensina é que temos uma alma imortal que pela graça santificante busca o Céu, amando a Deus de forma ascética e mística. Pergunto: isso não seria suficiente para buscar a perfeição? Será que esse tal de clericalismo não seria um ramo do amor desordenado de si, que gera as concupiscências humanas? Bom como leigo observo que a palavra não é pregada e o catecismo não é ensinado. De forma prática se é perguntado para um católico brasileiro, até mesmo catequistas, quais são os 10 mandamentos, ou quais são as 04 virtudes cardeais, ou qualquer coisa obrigatória para a fé católica, infelizmente uma boa parte não vai saber responder. Aí chega o padre na homilia vem falar de sínodo da sinodalidade na homilia, será que os leigos entendem? Será que isso não é um clericalismo onde que o que deve ser ensinado é esquecido? Veja bem, volto a repetir , não sou contra a esses termos porque realmente não sei a definição real, só queria mesmo entender. Obrigado e que Deus tenha misericórdia de nós.

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