MÊS DA BÍBLIA: O LIVRO DE JOSUÉ

Pe. Anderson Pereira¹

Para a Igreja do Brasil, o Mês da Bíblia é um convite especial para que todas as Comunidades tenham maior contato com a Palavra de Deus. A cada ano, nossa Igreja recomenda determinado livro bíblico para aprofundamento. Este ano o livro escolhido é o livro de Josué, com a inspiração: “O Senhor, teu Deus, estará contigo por onde quer que vás” (Js 1,9).

No elogio que faz aos Patriarcas, o livro do Eclesiástico inicia o seu comovente louvor a Josué nestes termos: “valente na guerra, assim foi Josué, filho de Nun, sucessor de Moisés no ofício profético; ele, segundo o significado do seu nome, mostrou-se grande para salvar os eleitos, para castigar os inimigos revoltados e instalar Israel em seu território” (Eclo 46,1). Josué teve, de fato, a tarefa de introduzir o Povo de Israel na Terra Prometida (Dt 31,1). Em Js 1,1-9, Deus se dirige a Josué como um rei ou um chefe militar prestes a começar uma guerra.

A conquista realizada por Josué constitui a realização da promessa da Terra feita a Abraão. Antes, porém, com Abraão (Gn 15; 17) e depois no Sinai (Ex 19-24), Deus estabelece um pacto solene com o Povo de Israel, fazendo dele o povo eleito. Ao redor destes dois temas centrais – promessa e aliança – se desenrolam alguns eventos fundamentais, contidos em categorias, tais como: criação, pecado, salvação, benção, eleição, amor paterno e justiça divina. O livro é dividido em duas grandes partes que se referem à conquista da Terra Prometida (cap. 1-12) e à distribuição da Terra (cap. 13-22), terminando o livro com os discursos de despedida de Josué (cap. 23-24).

Os Padres antigos da Igreja consideraram Josué uma prefiguração e imagem do próprio Jesus, não somente pela mesma semelhança etimológica dos nomes no hebraico, mas enquanto ambos realizam a mesma missão de introduzir o Povo na Terra Prometida, conquistando-a com grandes prodígios. O Eclesiástico, que atesta a admiração com a qual a Tradição judaica olhava a figura e a obra de Josué, conclui o seu elogio com palavras que no sentido pleno podem ser aplicadas à vitória conseguida por Cristo para a salvação da humanidade: “Quem antes dele tinha a sua firmeza? Ele próprio conduziu as guerras do Senhor […]. Ele invocou o Altíssimo, o poderoso, quando os inimigos o apertavam por todas as partes e o grande Senhor o ouviu […]” (Eclo 46,3-6). E ainda, seguindo os exemplos dos textos neotestamentários (At 7,45; Hb 11,30-31; 13,5; Tg 2,25), a Tradição Cristã identificou no livro de Josué uma grande prefiguração do Novo Testamento:  A sucessão de Josué a Moisés prepara aquela do Evangelho à Lei; O ingresso na Terra Prometida através do Jordão evoca o ingresso na Igreja por meio do Batismo; A destruição de Jericó prefigura a ruína do poder satânico; A salvação da família de Raab antecipa a agregação dos gentios à Igreja de Cristo.

O livro, mesmo sendo contado entre os “livros históricos”, não se trata de uma história pura e literal, no sentido estrito da palavra. Procura, antes, oferecer uma coleção dos eventos mais relevantes do período em questão para demonstrar que tudo aconteceu graças à fidelidade do Senhor às suas promessas em favor do seu povo. É Deus o verdadeiro protagonista do livro, desde princípio até o fim. Ele combateu pelo seu povo para levá-lo à Terra Prometida, sem nunca fazer faltar a sua grande ajuda.

No Lecionário Dominical apenas duas únicas páginas foram escolhidas para serem proclamadas na Liturgia da Palavra. O capítulo 5 (4° Domingo da Quaresma C) e o capítulo 24 (XXI Domingo do Tempo Comum B), que se situam perfeitamente no quadro teológico que havíamos indicado: Deus dá a Israel a Terra Prometida aos Pais, que termina com a celebração da Páscoa (cap. 5) e, realizada a promessa divina do dom da Terra, Josué põe o povo diante de suas responsabilidades e convida a escolher o verdadeiro Deus (cap. 24). No Lecionário Semanal, Josué é lido apenas 3 vezes (XIX Semana Comum – ano ímpar), sendo uma vez no capítulo 3, no qual a Terra dada por Deus só poderá ser conquistada se Israel caminhar com Ele e duas vezes no capítulo 24, em que a Terra conquistada só poderá ser conservada pela fidelidade Àquele que a deu.

Por fim, pergunto: Por que estudar este livro? Para compreender como se dá esse processo dialético em que Deus dá gratuitamente o dom a humanidade, mas o que é dado deve ser conquistado.  A Terra Prometida é um presente de Deus, mas esta Terra precisa ser buscada, desejada e alcançada. O Dom que Deus nos dá exige também nosso esforço para o receber. A leitura do livro de Josué, no contexto da comemoração do bicentenário da Independência, ganha um sentido bastante atual. Assim como Josué lutou com seu povo para conquistar a independência da Terra, vale a pena se perguntar: Já conquistamos, de fato, nossa Independência? A Independência tornou o povo independente? Neste sentido, Josué nos ajuda a assumir a independência não como evento das elites e do passado, mas como luta para conquistar direitos fundamentais: terra, dignidade, trabalho, moradia, liberdade, alimento. Precisamos buscar “conquistar” os direitos básicos de nossa existência. A história da conquista narrada em Josué é o anseio de muitos brasileiros de nosso tempo.

Então, leia o livro de Josué e embarque com ele nesta saga desbravadora de conquistar a Terra que o Senhor prometeu dar a seu Povo.

  1. Presbítero diocesano, mestrando em teologia pela PUC-SP.

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