ENTREVISTA COM PE. JOSÉ DOMINGOS: “Missão é partilhar a própria vida”

Entrevista realizada por Pe. Anderson Pereira e Carlos Fernando Brito

Sem dúvida, o testemunho de tantos missionários que deixam seu lugar, sua família e amigos, e se colocam a serviço da Igreja, é de modo especial enriquecedor para todo cristão. Finalizando este mês dedicado às Missões, oferecemos aos nossos leitores uma entrevista missionária.

O Pe. José Domingos Alves, membro do Clero Diocesano em Pinheiro, em janeiro de 2021, partiu em missão com destino a então Prelazia do Xingu, que, meses depois, foi elevada pelo Papa Francisco a categoria de Diocese do Xingu, com sede em Altamira-PA.

Atualmente, o Pe. José Domingos, juntamente com Pe. Admilson, da Arquidiocese de São Luís, está trabalhando na Paróquia de São Francisco Xavier, de Senador José Porfírio (também conhecida a Cidade como Sousel), onde exerce seu serviço missionário em nome de nossa Diocese de Pinheiro e de toda a Igreja do Maranhão. Eles são missionários em nome da Missão do Regional NE 5 naquela Diocese.

Em entrevista, o Pe. José Domingos, fala sobre a missionariedade a partir de sua experiência na Diocese do Xingu, confira na íntegra abaixo.

Como foi para você assumir essa missão e quais foram suas maiores expectativas e anseios?

Pe. José Domingos: Essa missão faz parte de um projeto missionário da Igreja do Maranhão, Regional NE 5, que assumiu uma missão com a Diocese de Xingu-Altamira, a partir do projeto Igrejas-irmãs, da CNBB, sendo que a cada três anos enviará missionários, ultimamente somente padres, para esta Diocese. Os primeiros padres foram da Diocese de Imperatriz. Ao término do período foi solicitado a Diocese de Pinheiro que disponibilizasse um ou dois padres para enviar em missão. Foi aí que me coloquei à disposição do Bispo, uma vez que sempre tive este desejo de fazer uma experiência missionária fora da Diocese. Missão é algo que sempre gostei, nasci e conheci a Igreja a partir dessas experiências missionárias, no período em que a Diocese vivenciava as grandes Semanas Missionárias das Santas Missões Populares. Faz parte da minha vida. Tendo estudado e conhecido mais a missão e compreendido o que é a Igreja missionária, esse desejo aumentou. Colocando-me a disposição, o Bispo avaliou que tinha as condições de ser enviado e representar a Diocese de Pinheiro. Minhas expectativas eram as melhores para vivenciar a missão em outra realidade. Ouvia muito falar da realidade do Xingu, das lutas sociais e desafiadoras que as comunidades enfrentavam. Região de muito profetismo. Isso gerou uma expectativa de encontrar realidades bastante desafiadoras para a vivência missionária. Os anseios de realizar e vivenciar o que sempre acreditei, isto é, doar a vida em outras realidades, levar alegria as pessoas, alegria de ter encontrado Jesus Cristo. Compreendendo ainda mais que a missão é sair de si, ir além, conhecer novos horizontes, isto me motivou, me deixou com grandes expectativas de vivenciar essa experiência, sabendo que aparece o medo do novo, mas faz parte da missão.

Conte-nos um pouco sobre sua missão nessa Paróquia e como você vive seu ministério.

Pe. José Domingos: A Paróquia de Francisco Xavier é uma Paróquia bem antiga, tem mais de 200 anos, por onde passaram os jesuítas. Chegamos aqui em fevereiro de 2021, o Pe. Admilson, da Arquidiocese de São Luís, e eu. Nossa missão envolve toda a organização paroquial, tanto pastoral quanto a parte administrativa. Chegamos ainda no período de pandemia (2021), encontramos uma Paróquia que no momento estava pastoral e financeiramente desarticulada, devido aos efeitos da pandemia e outros fatores pastorais, como a escassez de padres na Diocese, de modo que não acontecia mais a celebração eucarística; não encontramos nenhuma pastoral organizada, apenas grupos que preparavam as celebrações e mesmo quando começamos a visitar as comunidades detectamos que estavam todas paradas, praticamente. Tudo isso foi um grande desafio para nós, mas aos poucos as comunidades estão se organizando e hoje temos uma visão do que é a Paróquia. São 32 comunidades, a maioria delas são comunidades ribeirinhas, cujo acesso é fluvial, e outras o acesso é pela estrada de chão. Nossa Paróquia dispõe de um barco com capacidade para 25 pessoas, uma lancha e um carro. Nossas atividades são atividades paroquiais: celebrações dominicais, visitas às famílias, visitas às comunidades etc. Estamos organizando aos poucos o calendário de celebrações nas comunidades e nos setores (hoje temos 6 setores, incluindo a sede paroquial onde temos 3 comunidades ativas e uma desativada). Ainda tem algumas comunidades que não conseguimos ir devido a distância e também a falta de contato com os moradores locais. Esperamos chegar ao final do ano e termos visitado essas comunidades que faltam. Estamos articulando as pastorais: iniciamos um grupo de catequese de adultos; a pastoral do dízimo para a manutenção da missão da Igreja; Legião de Maria; estamos realizando o segundo Encontro de Casais com Cristo (nos dois encontros tivemos cerca de 20 casais). A questão familiar é um desafio grande: poucas pessoas têm o matrimônio e há muitos casos de jovens e adolescentes que constroem família cedo, tem filho cedo e tudo isso acarreta uma desestruturação das famílias. Também foi pedido a mim, pelo Bispo desta Diocese, Dom João, que acompanhasse a juventude, organizando o Setor Diocesano da Juventude. Já conseguimos avançar um pouco: este ano, por exemplo, realizamos o DNJ diocesano, com participação de cerca de 300 jovens. Então, a cada dia os jovens vão se mobilizando nas Paróquias através do itinerário formativo a partir da encíclica “Christus vivit”, para fazer com que os jovens conheçam aquilo que o Papa fala para nós e para os jovens de forma específica. Na comunidade local, na casa paroquial, além das atividades pastorais, nós que cuidamos das atividades domésticas de cuidado da casa, visto que diante da situação financeira não temos condições de termos secretária do lar, apenas a secretária paroquial, e no momento não temos ainda quem cuide do barco. É essa a experiência que estamos vivendo.

O que tem significado essa experiência da missão ad gentes em seu ministério e na vivência de sua vocação? Você considera que essa experiência abriu novos horizontes na sua vivência vocacional?

Pe. José Domingos: Essa missão tem significado muito profundo para meu ministério, minha vivência vocacional, como algo muito importante, pois, a partir disso, percebo que a missão não é um fato casual, mas faz parte da essência do ministério sacerdotal. Somos padres de uma Igreja que é por natureza missionária e isso me faz entender qual a verdadeira razão de ser do ministério sacerdotal. Somos ordenados para sermos missionários. Não é algo fora da nossa vida. E missão é partilhar a própria vida, a própria cultura, a própria experiência de fé que nós temos, com Deus, com Jesus Cristo, com as outras pessoas que vamos encontrando no dia a dia e transmitindo essa alegria de ser cristão, de ser sacerdote, de viver o ministério não para si, mas para o outro. Uma doação que faz com que compreendamos a nossa própria vida, como cristão, como padre ordenado para uma missão específica na Igreja. Com certeza, essa experiência missionária abre novos horizontes na minha vivência vocacional. Esta Diocese de Xingu tem uma grande escassez de vocações sacerdotais, atualmente temos um único padre que é diocesano, filho da terra. Isto me faz entender que a cada dia devemos valorizar a nossa vocação, nosso chamado, e entender a importância que o sacerdote tem para o povo, para a Igreja, e trabalhar com mais ênfase e animação vocacional, que parte da vivência, de forma alegre e consciente, das limitações e das fraquezas humanas. Fazer com que a juventude entenda que ser sacerdote é uma escolha de viver a vida, não como um super-homem, mas como ser humano que acredita na misericórdia de Deus.

Cada lugar tem suas características e peculiaridades culturais e pastorais próprias de cada região. Relate brevemente sobre a identidade cultural e religiosa do povo que você convive.

Pe. José Domingos: A cultura do povo desta realidade é bem miscigenada. Tem gente de vários lugares do Brasil, principalmente do Maranhão. Aqui em nossa Paróquia tem muitos maranhenses, que vieram a trabalho e ficaram por aqui. Consequentemente, trouxeram um pouco de suas realidades. Povo simples, gente humilde, que tem características da população ribeirinha, com seu jeito paciente de ser, igual o ritmo do rio Xingu. Muitos constroem suas casas próximo ao rio, de madeira. Mesmo tendo seu pedaço de chão, para sua agricultura, tem a tradição de morar próximo ou sobre o rio. Isso se faz presente também na sede da cidade. São um povo hospitaleiro, tem grande sensibilidade diante do novo. A religiosidade popular se manifesta através da devoção aos Santos e das grandes festas populares e tradicionais. Temos a Festa de São Benedito, com levantamento do mastro, com a batida de tambor (que não é o tambor de crioula), temos os foliões, um ritual com muita alegria.

Deixe uma mensagem final sobre a missionariedade a partir de sua experiência na Diocese do Xingu.

Pe. José Domingos: A missão é mais do que fazer atividades, é viver o mistério de Jesus que se encontra em nós. É viver a misericórdia e o amor de Deus por meio da graça da qual fomos atingidos. Jesus, que nos encontra em nossa situação de pecado e nos salva, nos chama e nos envia em missão para testemunhar a alegria da salvação. Por isso, estar aqui na terra do Xingu é fazer a experiência do Ressuscitado no meio do povo, de forma simples e natural, e convivendo e partilhando as experiências das pessoas que nós encontramos no dia a dia. O encontro revela o grande mistério do amor de Deus. Visto que é a partir do encontro das pessoas com Jesus Cristo, que não está apenas em nós, mas também no outro que encontramos, que dá um sentido verdadeiro para a vida. E tudo isso nos faz ter a certeza de que cada dia precisamos sair e anunciar a boa nova do Reino.  A nossa Diocese de Pinheiro está de parabéns por acreditar nessa proposta das Igrejas-irmãs de contribuir com a missão aqui no Xingu e espero que cada dia essa consciência cresça e não só padres venham fazer essa experiência, mas também leigos e leigas, que, pelo seu próprio Batismo, são missionários e precisam também viver essa experiência além-fronteiras. A Igreja Particular de Pinheiro caminha nesse rumo, nesta identidade missionária, principalmente com as Santas Missões Populares que reforça esse espírito. Nós temos a esperança de que em breve venha para esta missão leigos, seminaristas e irmãs para fazer esta experiência missionária. Agradeço também a confiança do Bispo e da Igreja do Maranhão que me confiou este tempo e peço ao Espírito Santo que possa terminar esse projeto sempre com muita alegria, com muita determinação, e na certeza de que a missão foi realizada a partir do projeto que Jesus nos propôs. Deus abençoe a todos e vamos continuar anunciando aquilo que vimos e ouvimos, dando testemunho de que Jesus é vida, Jesus é o Senhor, Jesus Salva, Jesus é missão.

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