DITOS POPULARES E O TEMPO PASCAL: “SABEDORIA DE VIDA”.
Pe. Márcio Hélio Cardoso Silva¹
I. Preambulo
Há mais ou menos 350 mil anos o gênero Homo Sapiens tem seus registros de existência. Nesse período passou por inúmeras transformações, aperfeiçoamentos, chegando à categoria de Homo sapiens sapiens, isto é, o homem que sabe que sabe. Cada época foi marcada por uma habilidade, por um instrumento, por uma condição de sobrevivência específicas e o acumulado de tudo isso ajudou a construir a espécie mais intrigante do planeta, seja pelas suas distintas ligações neurais, pela capacidade de modificar o ambiente em que vive, seja pela aguçada construção de códigos linguísticos, capazes de transmitir seu pensamento com sofisticação.
Há registros de que tudo começou no leste da África, um ser primitivo com um número limitado de ideias, fala rustica, balbucios carentes conexão, mas uma percepção natural, sagaz, capaz de dar conta de tudo o que havia ao seu redor, e justamente por essa percepção começou a modificar o ambiente à sua volta. Além de alterar o espaço à sua volta o homem se viu capaz de construir uma linguagem simbólica, capaz de comunicar seus pensamentos através desses códigos criados.
II. Do conhecimento simples à mais densa reflexão
Hoje queremos refletir sobre essa comunicação simples, não erudita, que faz parte do dia a dia do ser humano, e que muito tem a ensinar. São os ditos populares, carregados de sentido e significados, especialmente para a região nordeste do Brasil, construída milenarmente por diversas culturas.
Os ditos populares, falados abertamente em todos os rincões dos nossos idiossincráticos povoados, catalisam toda uma sabedoria acumulada ao longo dos anos, repassada de geração em geração em ‘dedos’ de prosas, conversas de porta de casa, aconselhamentos maternos etc. São usados especialmente por gente simples, com efeito, carregam consigo uma sabedoria de vida que vale a pena partilhar.
II. É de pequeno que se fazem os grandes.
O primeiro dito que iremos abordar é: “É de pequeno que se fazem os grandes”. Por trás dessa sabedoria popular está a ideia de que os valores, os princípios, ensinados desde a tenra idade ajudam no processo de transformação de um indivíduo. Aos poucos uma mãe, um pai, uma idade inteira (como nos recorda a CF 2022) vai educando seus filhos, aliando a parte falada ao exemplo, tão necessários para a fixação de um determinado princípio ou valor.
Quando era criança aprendi que o tempo quaresma, a semana santa era um tempo de muita austeridade, em que se precisava guardar o silêncio, não xingar, não desrespeitar os pais, valores ensinados o ano todo, e que ganhavam contorno ainda maior nessa época do ano. As festas eram evitadas, as surras eram deixadas para o “romper do aleluia”, e tantos outros costumes se faziam presente no dia a dia das famílias, especialmente aquelas que guardavam esses preceitos riquíssimos aprendidos ao longo dos anos.
A benção era algo muito comum, e os filhos diariamente repetiam esse gesto carregado de carinho, de simbolismo e de respeito. Os pais, os avós, tios, ao abençoarem diziam: Deus te guarde, Deus te proteja, Deus te faça feliz, Deus te crie para o bem etc. Além da benção, a ida à igreja era fortalecida, as famílias iam fazer suas orações e ficar ainda mais perto de Deus. Todavia, o tempo mudou, e os valores / ensinos, foram tomando outros rumos. Com muito mais frequência vemos atualmente as festas acontecerem, a zoada tomando conta de todos os ambientes, a benção sendo cada vez mais esquecida e a sociedade caminhando inebriada pelas mídias sociais e tecnologia para uma letargia dos valores sociais.
O dito popular que deu início a essa série de artigos quer nos lembrar o quanto os valores e princípios devem ser ensinados desde cedo para as crianças, a fim de quando crescerem poderem vivenciá-los. De fato, é de pequeno que os grandes são feitos, e quanto mais cedo se aprende algum valor ou habilidade, mais fácil de ser colocado em prática no decorrer da vida. Nesse sentido, cabe aos pais cuidar dessa educação, onde os princípios que devem nortear a vida de todo ser humano sejam enaltecidos e ensinados com afinco. Desse modo, aos poucos, se vai construindo seres humanos melhores, mais altruístas, capazes de respeitar e ter empatia pelo seu semelhante.
Concluo esse pequeno opúsculo afirmando a sabedoria trazida pela própria bíblia quando diz: “ensina teu filho o caminho que ele deve andar e mesmo velho não se apartará dele” (Pr 22, 6) e que nossos pais, em sua sabedoria popular, nos seus ditos e contos nos repetiam diariamente: é de pequeno que se fazem os grandes. Que cresçamos cônscios de que os valores devem nortear a vida de todo ser humano e são capazes de construir uma sociedade melhor, para todos. Isso é Páscoa, é ressurreição.
- Sacerdote diocesano, graduado em filosofia e teologia, com especialização em Ética e política, Coordenação pedagógica, Gestão escolar e MBA em Administração, finanças e geração de valor. Atualmente atua como Coordenador Diocesano de Pastoral, Vigário Paroquial de São Benedito, em Pinheiro e diretor do Colégio Pinheirense.
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