CAMPANHA ELEITORAL SEM A POLÍTICA
Daniel Mendes¹
No cenário da campanha eleitoral de 2024, não é fácil identificar, no perfil de muitos candidatos, algum dos diversos conceitos de política.
No sentido prático, pode-se dizer que política é a capacidade que o ser humano tem de criar diretrizes com o objetivo de organizar seu modo de vida. A nível do exercício do poder, a política é a arte de governar, administrar o patrimônio público e promover o bem comum de todos. Vinculada ainda ao ato de governar, a política também envolve a capacidade de mediar conflitos entre as pessoas. Por isso, aquele que pretende exercer um cargo político deve ter competência e habilidade para mediar os conflitos existentes na sociedade, decorrentes de interesses antagônicos.
Independentemente do estágio de consciência de cada um, no nosso dia a dia, a mídia nos afeta completamente. Afeta nossa estrutura conceitual nas dimensões pessoais, políticas, econômicas, estéticas, psicológicas, morais, éticas e sociais. Não deixa nenhuma parte intocada ou inalterada. E, neste tempo de campanha eleitoral, somos sistematicamente interpelados pelas redes sociais e plataformas digitais, pelos conteúdos postados sobre o assunto.
Observa-se que, a cada campanha eleitoral, o perfil comportamental de alguns candidatos evidencia o desprezo pela política e, ao mesmo tempo, nos traz à memória o mito de Narciso, que permanece atual na sociedade das imagens. Narciso, apaixonado por si mesmo, passou a vida contemplando sua própria face no rio, de modo que não mais bebeu nem comeu, desfalecendo ali mesmo. Hoje, não iria contemplar seu reflexo no espelho d’água, mas se chocaria contra o vidro de uma tela.
O narcisismo é um dos traços dominantes na sociedade da imagem e, aplicado à política, as imagens projetadas cultuam a pessoa do candidato, único protagonista de seus “não feitos”, chefe absoluto de si mesmo. Pois o narcisismo “é dar-se a ver e fazer-se ver”. E as redes sociais são o espaço onde vemos a representação máxima de um egoísmo feroz, que desdenha o verdadeiro sentido da política, cujas falas de alguns candidatos visam apelar não para o racional, mas para as faculdades emocionais, os ‘interesses afetivos’, enfraquecendo assim a ideia do coletivo.
A política foi corrompida por aqueles que deveriam protegê-la, e os bons a abandonaram. Enquanto isso, foi surgindo uma nova versão de líderes, os não-políticos, vindos dos mais diversos segmentos da sociedade. Estes buscam incessantemente ocupar os espaços de poder diante do caos do próprio sistema. Muitos desses líderes vivem de seus “seguidores”, cujo alcance tem uma dimensão fenomenal com o uso das redes sociais, por meio das quais disseminam suas mensagens junto à população. Essas mensagens incentivam o abandono do interesse pelo comum, pelos outros, por tudo aquilo que não seja o que eles representam. E isso se reflete no familiar, no social e no político. Vive-se entre a crise do domínio público e o indivíduo voltado para si mesmo.
Nesse contexto, é possível observar que a política deixa de ser vista com um olhar coletivo e passa a ser um instrumento de individualismo, no qual os interesses pessoais e projetos individuais se sobrepõem aos da coletividade. Diante disso, é urgente uma reflexão sobre os caminhos que a sociedade contemporânea está trilhando e sobre os meios para reverter a situação ora vivida.
Professor formado em Filosofia e Teologia; Especialista em Gestão de Pessoas em Ambiente de Mudanças e Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Questões Étnico-Raciais.
Ilustração: elenabsl / Shutterstock.com
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